Em audiência pública que debateu a Doença de Huntington (DH), nesta quinta-feira (29), participantes cobraram a inclusão desse distúrbio genético hereditário entre as doenças que dispensam a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez pelo Regime Geral da Previdência Social. Também foi pedido em favor da população afetada, de até mil 20 mil pessoas no país, efetivo atendimento às suas necessidades pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A DH se caracteriza por causar movimentos corporais anormais e falta de coordenação, além do comprometimento das habilidades mentais e de aspectos da personalidade. Normalmente, o distúrbio começa a se manifestar na fase adulta do indivíduo. No extremo, a pessoa pode perder toda a capacidade motora, a fala e a deglutição, acumulando morbidades que levam à morte. Por ser uma doença genética, a DH ainda não tem cura. No entanto, os sintomas podem ser minimizados com medicamentos.
O debate foi realizado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), a pedido do seu presidente, senador Waldemir Moka (PMDB-MS). Por sugestão dele, que também dirigiu os trabalhos, ficou definida a criação de uma comissão para encaminhar soluções. Coordenado pelo senador, o grupo incluirá representantes dos Ministérios da Saúde e da Previdência Social e de entidades dos doentes e suas famílias. O Ministério do Trabalho e Emprego será também chamado a participar.
- A partir daqui nós vamos nos unir, e aí eu tenho certeza de que vamos avançar para resolver a questão – disse Moka.
Lista desatualizada
Antônio Lopes Monteiro, que integra a Associação Brasil Huntington, lembrou o princípio constitucional que define a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, para salientar que os portadores da DH não estão recebendo a devida atenção. Com respeito à portaria que trata das doenças para efeito de dispensa da carência na concessão do auxílio-doença e da aposentadoria, ele salientou que existe previsão legal para que a lista seja revista a cada três anos, mas que isso não acontece.
- O mal de Parkinson entrou porque o papa João II tinha a doença - lembrou.
Para Monteiro, que também é promotor público em São Paulo, a maior resistência à atualização da lista vem do Ministério da Fazenda. Segundo ele, um dos motivos é o fato de a lista também servir para a dispensa do pagamento de Imposto de Renda por parte das pessoas que apresentam as doenças lá classificadas. Na hora que a lista for ampliada, disse, muitos brasileiros irão buscar esse direito.
"Jogo de empurra"
Monteiro mencionou ainda a existência de um “jogo de empurra” entre as empresas e os peritos do INSS. Estes não sabem lidar ou nem mesmo conhecem a DH e devolvem o empregado licenciado, enquanto a empresa insiste que a pessoa não está apta a trabalhar. Mesmo quando os peritos reconhecem a doença, ele diz que "os burocratas” da Previdência divergem. No correr dos fatos, assinalou, o empregado acaba sendo demitido, não consegue mais entrar no mercado de trabalho e acaba perdendo o vínculo com a Previdência.
Rogério Nagamine Constanzi, diretor do Departamento do Ministério da Previdência Social, negou que os quadros da Previdência sejam formados por “burocratas sem sensibilidade social”. Porém, ele reconheceu o atraso na revisão da lista de doenças incapacitantes, que dependeria de análise do ponto de vista médico e previdenciário. Segundo ele, há demandas para inclusão não somente da DH, mas de diversas outras doenças, como a anemia falciforme e a artrite reumatóide.
- Estamos devendo, estamos em atraso e acho que precisamos fazer esforço para a revisão da lista – concordou.
Problemas em dobro
Pela a União dos Parentes e Amigos dos Doentes de Huntington, a vice-presidente Edília Miranda Paz, explicou veio para a audiência com o objetivo de “implorar” pela atenção das autoridades e dos senadores. Ela classificou de “atípica” a vida de uma família com pessoas portadoras de DH, na fase em que os sintomas já se instalaram. Segundo palavras que relatou ter ouvido de um médico, isso significa “pegar a doença de Parkinson e o mal de Alzheimer e multiplicar por dois”.
No caso de sua família, com 14 irmãos, oito acabaram desenvolvendo a doença, disse Edília. Segundo ela, uma irmã chegou a recorrer à Justiça para se aposentar e só conseguiu quando já estava definitivamente presa à cama. Muitas vezes, afirmou, quem tem DH “é tido com alcoólatra, viciado em drogas, menos como doente”. Para tentar garantir a qualidade de vida da pessoa, as famílias empregam recursos financeiros além do que podem.
- A família fica empobrecida: temos que dar alimentação, o mínimo de conforto comprando fraldas, assistência psicológica para todos os familiares e nem conseguimos remédios no SUS – disse.
Política nacional
Polyanna Almeida Costa Santos, que representou o Ministério da Saúde, destacou os esforços da pasta para atender os portadores da DH, bem como pessoas com outras doenças raras. Segundo ela, o Brasil é o único país do mundo a adotar uma política integral para doenças raras. Recentemente atualizada, a portaria incluiu ações pedidas pelos pacientes e familiares, inclusive a garantia de diagnóstico de predição genética.
Em fase de implantação, a política busca garantir acesso a todos os cuidados, por meio de equipes e serviços multidisciplinares, com exames, tratamento e até aconselhamento genético, quando for indicado. No momento, explicou Polyanna, a pasta trabalha para estruturar uma rede de referência para atendimento em todo o país. Hoje já existem oito centros de atendimento.
O neurologista Pedro Renato de Paula Brandão informou que a DH é uma doença autossômica dominante com prevalência de 50% de transmissão para os filhos. Segundo ele, a DH ocorre entre quatro a dez pessoas a cada cem mil habitantes, sendo mais frequente na Europa Ocidental. Com base neste índice, observou que é possível estimar entre 8 mil e 20 mil o número de brasileiros afetados. Sobre as desordens de comportamento, ele disse que 40% dos pacientes apresentam depressão, sendo ainda frequentes ansiedade, ataques de pânico, psicoses e raciocínio lento, entre outros sintomas.
Reprodução in vitro
O especialista destacou a importância de exames para a predição dos genes em pacientes assintomáticos de famílias em que a doença existe. Mesmo reconhecendo que o assunto é controverso, ele observou que tendo essa informação as pessoas podem optar pela fertilizaçãoin vitro e evitar implantar embriões com a presença do gene modificado.
Maria Gorette Nunes Marques, também da ABH, concordou com a sugestão do neurologista sobre as vantagens da fertilização assistida como forma de acabar com a transmissão biológica da doença. Porém, salientou que os procedimentos são muito caros e cobrou o financiamento pelo SUS, observando que faltou prever o serviço na nova portaria sobre doenças raras.
Agência Senado, Gorette Brandão
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