No Brasil, em cada quatro
mulheres, mais de uma apresenta sintomas de depressão no período de 6 a 18
meses após o nascimento do bebê. A constatação é do estudo Factors associated
with postpartum depressive symptomatology in Brazil: The Birth in Brazil National
Research Study, 2011/2012, realizado pela pesquisadora Mariza Theme, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e publicado na edição
de abril do Journal of Affective Disorders. A prevalência desse distúrbio no
país foi mais elevada que a estimada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
para países de baixa renda, em que 19,8% das parturientes apresentaram
transtorno mental, em sua maioria a depressão.
O trabalho foi desenvolvido no
âmbito da pesquisa Nascer no Brasil, maior estudo a respeito de parto e
nascimento no país já ocorrido. Coordenado pelas pesquisadoras Maria do Carmo
Leal e Silvana Granado, a pesquisa apontou número excessivo de cesarianas (52%
no total, contra 88% no setor privado) e ainda a persistência de intervenções
dolorosas e desnecessárias no parto (como a episiotomia e a manobra de
Kristeller, uso de ocitocina, menor frequência da utilização de analgesia
obstétrica, dentre outros).
“O estudo Nascer destacou o
elevado número de cesarianas e os efeitos que o parto no Brasil tem sobre a
mulher e o bebê. Sabíamos, por exemplo, da associação entre a cesariana e o
desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático, mas não era isso que
desejávamos analisar. O que ainda não havia sido investigado era se tal modelo
de parto, com muitas intervenções desnecessárias, poderia ser um desencadeador
do quadro depressivo dessas mães. Esse foi um dos pontos de partida da
pesquisa”, explicou Mariza.
A depressão pós-parto traz
inúmeras consequências ao vínculo da mãe com o bebê, sobretudo no que se refere
ao aspecto afetivo. A literatura cita efeitos no desenvolvimento social,
afetivo e cognitivo da criança, além de sequelas prolongadas na infância e
adolescência. “A mulher depressiva, normalmente, amamenta pouco e não cumpre o
calendário vacinal dos bebês. As crianças, por sua vez, têm maior risco de
apresentar baixo peso e transtornos psicomotores”, esclareceu.
Depressão pós-parto atinge
mulheres pardas e de baixa escolaridade
A pesquisa entrevistou 23.896
mulheres no período de 6 a 18 meses após o nascimento do bebê. A prevalência
global de sintomas de depressão pós-parto foi de 26,3%, mas a comparação entre
os períodos de 6 a 9 meses (25,7%) e de 9 a 12 meses (27,1%) não indicou
diferença significativa no desenvolvimento do transtorno mental.
Foram analisadas variáveis
sociodemográficas, individuais e obstétricas. Com o intuito de verificar se o
uso de intervenções durante o trabalho de parto, particularmente o trabalho de
parto muito doloroso e sem analgesia, estaria associado ao desenvolvimento de
sintomas depressivos, foi criado um indicador de “trabalho de parto doloroso”
que incluía as mulheres submetidas ao uso de medicação para acelerar o trabalho
de parto, e que referiram aumento significativo da dor; que não tiveram acesso
a nenhum tipo de analgesia; e que passaram pela manobra de kristeller
(aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a
saída do bebê). Além disso, o histórico de perda fetal ou neonatal;
complicações na gravidez, parto e pós-parto (incluindo a realização de
histerectomia) e se a gravidez foi planejada estiveram no escopo das
entrevistas.
“Observamos que essas
variáveis da intervenção no parto não mostraram associação com a depressão
pós-parto. O resultado nos leva a algumas hipóteses, entre elas o fato de haver
uma aceitação como “normal” o modelo atual de atenção ao parto ainda realizado
no Brasil. Em outras palavras, será que essas manobras já estão tão assimiladas
que não funcionariam como um possível fator que levaria à depressão?”,
questionou.
As mães que apresentaram
sintomas de depressão pós-parto, de acordo com o modelo final da análise, são
da cor parda, de baixa condição socioeconômica, com antecedentes de transtorno
mental, com hábitos não saudáveis, como o uso excessivo de álcool, paridade
alta e que não planejaram a gravidez “Os resultados são muito coerentes com o
que a literatura internacional demonstra”, disse.
Por último, chamou a atenção
da equipe de trabalho uma pergunta sobre a avaliação do atendimento na
maternidade, na ocasião da alta médica. As mulheres que desenvolveram sintomas
de depressão foram aquelas que avaliaram pior seu atendimento. “Isso suscitou
algumas interpretações, mas, como a investigação da depressão foi realizada num
único momento, não sabemos se a avaliação foi ruim porque a mulher estava
deprimida ou se o atendimento, de fato, foi inadequado e desencadeou o
surgimento dos sintomas. As mulheres que fizeram má avaliação do atendimento
tiveram probabilidade duas vezes maior de apresentar os sintomas depressivos do
que aquelas que avaliaram como muito bom.”
0 comentários:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.